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quinta-feira, 29 de maio de 2014

DESTINOS CRUZADOS

Na infância, o sonho de Dilno Pereira Lopes era ser maquinista. Embora sua vida seguisse um traçado diferente do das ferrovias, um dia o destino foi responsável por fazer sua história cruzar a dos trilhos. Passava da meia noite de 4 de setembro de 1974 e chovia muito. Dilno Pereira Lopes estava a bordo de um ônibus que seguia do interior de São Paulo para o sul de Minas. Nessa época, o jovem tinha apenas 19 anos e estudava em Santa Rita do Sapucaí, onde fazia parte do Tiro de Guerra do Exército. Faltavam três dias para as comemorações da Independência do Brasil e, após passar alguns dias com a família, que morava em Piracicaba, o dever o chamava de volta a Santa Rita, para participar das festividades do Sete de Setembro.

O retorno para a cidade sul mineira foi complicado desde o começo. Ele perdeu o ônibus no qual embarcaria, devido às mudanças de horários da empresa que atendia a linha. A segunda alternativa foi dirigir-se para São Paulo, mas o congestionamento fez com que ele chegasse atrasado ao terminal rodoviário e perdesse o ônibus novamente. Por sorte, ou ironia do destino, a empresa havia disponibilizado uma linha extra naquele dia. Enquanto comprava a passagem, uma garota se aproximou dele e perguntou se aquele ônibus teria como destino a cidade de Santa Rita do Sapucaí. Ele disse que sim e ela também comprou seu bilhete. Os dois se sentaram nas poltronas do lado esquerdo do corredor, bem próximas do motorista. A jovem moça pediu para trocar de lugar com ele, ficando ao lado da janela e ele ao lado do corredor. Durante a longa viagem, eles conversaram sobre vários assuntos, inclusive sobre um acidente que havia ocorrido, havia poucos dias em Pouso Alegre. Um Chevete havia sido arrastado por um trem. Mas, mal sabiam eles que o motorista daquele horário em que eles viajavam estava dobrando a carga horária e o cansaço do funcionário era inevitável.


Depois de uma rápida parada no antigo posto Mavesa, na Rodovia Fernão Dias, já em Pouso Alegre, algumas pessoas desceram no local. Para elas, era apenas o fim da viagem. Mas, em seguida, o ônibus foi em direção a cidade. Na época, havia um cruzamento entre a rodovia e a linha férrea, ponto que exigia extrema atenção dos motoristas. “Na passagem de nível, não tinha uma cancela, sinal luminoso, não tinha nada. Havia apenas uma placa que não refletia. Então, na chuva e no meio da noite, não daria pra ver mesmo”, explica Dilno. A parada era obrigatória antes de os veículos avançarem sobre os trilhos; contudo, o motorista do ônibus não parou, desobedeceu ao sinal de alerta que o advertia sobre cruzar os trilhos. Na sua direção, seguia um trem cargueiro com 37 composições e que havia acabado de sair da estação de Pouso Alegre rumo a Itajubá. Com o impacto da colisão com o trem, o ônibus foi arrastado por aproximadamente 200 metros, ficando totalmente destruído. As pessoas que passavam próximas ao cruzamento paravam curiosas para saber o que havia acontecido. Em meio à escuridão e à chuva que não cessava, o silêncio tomou conta do local por alguns minutos. A cena era de destruição e medo. As marcas de sangue estavam espalhadas nos trilhos. Era impossível encontrar sobreviventes em meio aos ferros retorcidos pelo forte impacto. “As cenas que ficaram na minha cabeça foram de uma praça de guerra. Pessoas feridas. Ver os destroços do ônibus foi uma cena muito forte”, comenta Dilno.


O silêncio foi quebrado, quando Dilno percebeu que algumas pessoas se aproximavam do ônibus à procura de sobreviventes. Sem entender o que estava acontecendo, ele ouviu uma voz que lhe perguntou se conseguia andar. Em seguida, o colocaram em pé ao lado do aterro pelo qual passava a ferrovia e ele desmaiou. O então jovem servidor do Exército somente foi entender o que havia acontecido depois que acordou no hospital. Para os amigos da república em que morava, chegou à notícia de que ele havia morrido. “E como os jornais me davam como morto, foi muito difícil para a família”, lamenta. Para alguns ocupantes do ônibus foi o fim da linha, mas Dilno, e a sua companheira de viagem Dair tiveram a sorte de chegar ao seu destino. Além dos dois, uma terceira pessoa de nome Diomar também foi sobrevivente do acidente.


Naquela noite, Seu José de Paula Andrade, mais conhecido como Juca, que trabalhava na bilheteria da estação de Pouso Alegre, foi acordado às 4 horas da madrugada para comparecer ao local do acidente e dar assistência. Os populares que por lá passaram queriam linchar o maquinista Benedito Pereira e seu ajudante, Benedito Amâncio, que estavam no comando do trem. Para apaziguar a situação, Seu Juca os orientou a se esconderem em um dos vagões. Naquele momento, pouco se sabia sobre o que realmente havia acontecido. No dia seguinte, os jornais davam conta do acidente, mas divergiam quanto ao número de vítimas e de passageiros do ônibus. Em um velho recorte de jornal guardado por Dilno, a manchete é bem clara em relação ao acidente “Um ônibus na linha do trem” e a reportagem cita oito pessoas que teriam perdido a vida na tragédia. Em O Jornal do Brasil, de distribuição nacional, a edição 150, do dia 5 de setembro, trazia, na página 21 do primeiro caderno, a notícia “Trem arrasta ônibus em Pouso Alegre, mata oito e fere três gravemente”. O ônibus fazia o percurso São Paulo a Itajubá e passava todos os dias pela cidade de Pouso Alegre para deixar e recolher passageiros. De acordo com a matéria publicada, o motorista do ônibus Sebastião Maria Júnior não viu o sinal e atirou o veículo à frente da composição de carga que fazia a ligação de Pouso Alegre a Itajubá. A notícia também ganhou espaço na página 13 do Jornal Diário de Notícias, edição 16.096, do dia 5 de setembro, que tinha como título da reportagem: “Trem destrói ônibus, mata doze e fere 9”. De acordo com a publicação, no momento do acidente, chovia muito no local, tornando difícil a visibilidade na passagem de nível, que era mal sinalizada. Ainda sem compreender muito bem como se salvou, Dilno, agora engenheiro, guarda até hoje dois jornais da época que traziam como manchete o acidente e seu nome na relação dos mortos na tragédia.

A imprudência ou desatenção do motorista do ônibus foi a causa do acidente de 4 de setembro de 1974, mas Seu Juca conta que, no trecho da Sapucaí, os acidentes eram comuns e as causas, segundo ele, eram as condições precárias dos trilhos precárias e a falta de sinalização. Quando acontecia um desastre mais grave, logo era estampado nas capas dos principais jornais da região e até nos de circulação nacional. Nas páginas dos periódicos, os acidentes eram transformados em grandes acontecimentos, com reportagens repletas de imagens de terror nos trilhos, o que causava grande impacto na população. Mas as imagens que ficaram na lembrança das pessoas são mesmo as das charmosas Marias Fumaça que seguem tranquilas pelos trilhos, no ritmo de antigamente.

2 comentários:

  1. Me lembro desse acidente quase 42 anos atrás. Em Itajubá o desfile de 7 de setembro foi uma comoção geral, muita tristeza mesmo, porque um dos mortos era o professor Nélio Brandani Tenório da Escola Estadual João XXIII teria viajado até São Paulo para comprar instrumentos musicais para o desfile e no retorno ocorreu o sinistro. Em 1982 o ramal ferroviário foi considerado desativado e em 1984, portanto dez anos depois do acidente, os trilhos foram retirados de todo o trecho (Sapucaí/Itajubá/Soledade). O trem já não existe mais e infelizmente morrem muito mais pessoas nas estradas hoje do que antes e o motivo, ironicamente, é porque os governantes acabaram com os trens e optaram pela rodovia como principal sistema de transporte!!!

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  2. Ele foi a São Paulo para comprar material para a fanfarra do Major João Pereira.

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