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quinta-feira, 29 de maio de 2014

SENTIDOS DIFERENTES

Foi em um escritório no Departamento Nacional de Estrada de Rodagens na cidade do Rio de Janeiro que, no começo da década de 1950, o desenhista Aguinaldo Maranhão Cordeiro Falcão foi um dos responsáveis pelo projeto da Rodovia Fernão Dias. O que ele não imaginava era que, tempos depois, acompanharia de perto as obras de construção da estrada. Preocupado com o conforto e a qualidade de vida da família, o desenhista tratou de se mudar para Pouso Alegre em 1958. A filha Terezinha, hoje com 60 anos, se lembra de ver o pai chegando a sua casa, dia após dia de trabalho exaustivo, mas muito entusiasmado com os projetos que executava na região sul mineira.

 Terezinha e os irmãos gostavam de escutar as histórias do pai e ele não hesitava em compartilhar. Ela ouvia que os primeiros trechos da estrada foram abertos por máquinas “patrol”, puxadas por animais, e cada etapa da obra seguia em ritmo acelerado. A menina se sentia como se enxergasse aquele imenso tapete negro se formando para logo receber a estátua do bandeirante Fernão Dias. No dia em que os caminhões chegaram do Rio de Janeiro com aquele imenso monumento, dividido em três partes para ser transportado, o pai contou como a imagem foi cuidadosamente erguida. Ele foi um dos responsáveis por comandar o transporte da estátua do lendário personagem, esculpida em pedra de granito maciço. Foi uma tarefa difícil colocar em pé o caçador de esmeraldas que media aproximadamente 20 metros de altura e pesava 25 toneladas. O bandeirante ficou em uma posição estratégica no trevo que dá acesso à cidade de Pouso Alegre, como que observando quem passava pela rodovia com seu nome, mas sempre atento também às terras na linha do horizonte, as quais ele outrora havia desbravado.

Mesmo com a duplicação da Fernão Dias, a estátua permanece no local há mais de 50 anos e pode ser vista por quem chega ao trevo da principal entrada de Pouso Alegre. Terezinha faz parte da geração que cresceu e acompanhou o desenvolvimento sobre quatro rodas. Na infância, ela viu de perto a estrada de ferro e teve a oportunidade de passear na velha Maria Fumaça. Um ano antes da chegada do pai com toda a família em Pouso Alegre, foi criada, pelo governo a Rede Ferroviária Federal, que uniu 22 ferrovias do país, dentre elas, a Rede Mineira de Viação. O sistema ferroviário passou a pertencer ao governo federal e o Brasil se orgulhava de possuir a oitava maior ferrovia do mundo, com 38 mil quilômetros de trilhos.
Terezinha se recorda que, na década de 1960, os trens de passageiros atingiram seu apogeu em Minas. Porém, com o tempo, perderam espaço e a ferrovia passou a ser vista apenas como meio para o transporte de cargas. Com os investimentos e o crescimento do transporte rodoviário, os trens de passageiros “saíram da linha”. As locomotivas não conseguiram atingir a mesma velocidade do desenvolvimento tecnológico que chegava sobre o asfalto. No trecho sul mineiro da Sapucaí, surgiam os primeiros sinais de que os trens chegariam ao seu destino final. Com o desgaste dos trilhos, os
tombamentos e descarrilamentos eram comuns.

Embora saudosa dos bons tempos das ferrovias, Terezinha exibe orgulhosa uma medalha que o pai recebeu do ex-presidente Juscelino Kubistchek, governante que iniciou os investimentos na expansão rodoviária no Brasil. A relíquia é guardada cuidadosamente entre fotos igualmente importantes, como uma fotografia do pai com o presidente JK. Juscelino percebeu que o desenvolvimento do país apenas seria possível se ele facilitasse a entrada do capital estrangeiro no Brasil, com as multinacionais. Para alavancar o desenvolvimento, ele começou a investir na abertura de estradas pavimentadas. O ex-presidente planejava que o país crescesse 50 anos em cinco e apostou na indústria automobilística, que seria a responsável por atrair outras indústrias. Não demorou para o segmento ganhar espaço no mercado nacional e impulsionar o desenvolvimento rodoviário no país. As estradas de rodagem, então, se tornaram o principal meio de transportes de cargas e passageiros do país e, hoje, sua extensão ultrapassa os 56 mil quilômetros de estradas pavimentadas, enquanto as linhas férreas amargam a redução para apenas 9 mil quilômetros.

Mas o sul de Minas não padeceu do lamento saudosista e se, no século passado, as ferrovias foram responsáveis por movimentar a indústria cafeeira, que movia a economia do país e da região sul mineira, atualmente são as enormes indústrias que investem na região. Considerada um dos mais importantes eixos de transportes do Brasil, a Rodovia Fernão Dias, que em Pouso Alegre encontra a BR 459, desempenha um papel importante de ligação do sul de Minas com a rodovia Presidente Dutra, em direção ao Rio de Janeiro, e tal entroncamento tem atraído empresas de várias partes do Brasil e de outros países, colocando a economia regional novamente nos trilhos e em ritmo acelerado.

Emocionada, Terezinha se lembra de que o pai teve uma participação muito importante no desenvolvimento de Pouso Alegre, décadas atrás, com o trabalho prestado para a construção da Fernão Dias, e ela teve a felicidade de testemunhar o desenvolvimento econômico do município e da região em função da estrada federal. Estacionada na entrada da cidade, a imagem do desbravador Fernão Dias, que há tempos assiste à marcha regional pelo desenvolvimento, atualmente divide espaço com um grande anel viário, que compõe o novo cenário da Fernão Dias. Entretanto, até chegar à próspera realidade atual, a região sul mineira sofreu com uma época em que o trem ainda seguia seus caminhos sinuosos, nos quais muitas vidas foram tragicamente interrompidas.

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